sábado, abril 30, 2005

 

Em obras


Tanto o blog como o meu cérebro têm estado em obras. E podem achar foleiro, mas o cor de laranja fica. Eu gosto de cor de laranja. Daqui a uns três, quatro dias recomeçarei a escrever para o blog. Até lá, divirtam-se com os posts antigos.

Não sei porque é que digo isto. A minha audiência é feita de fantasmas e esses não precisam que se lhes diga nada.



quinta-feira, abril 28, 2005

 

Odeio Multidões


segunda-feira, abril 25, 2005

 

O partido do Diabo


Como diria Tom Waits, "it’s story time again." Em Fevereiro pus aqui uma antiga estória minha. Julgava eu na altura que não iria escrever mais estórias em Português, mas desde que o blog abriu já esboçei uma mão cheia de tentativas incipientes. Para usufruto (espero) da minha silenciosa e vazia audiência aqui fica mais um esboço.


How well I remember when he tolde me that writers are of the devil’s party, free agents of his will; and that we should believe none, for their sole aim is to trick us into their deceptions.
— Thomas C. Hodgkell, Confessions of a writer under siege (London 1867).

Não, não sou da agência funerária. Não se assuste, também não sou do fisco — as suas dívidas acumuladas não me interessam para nada. Vejo que está espantado por Eu saber das suas dívidas; sei de muito mais coisas. Mas sente-se que Eu explico-lhe tudo. Já me apresentei? Imperdoável falta minha! Chamo-me **** [incompreensível], mas as pessoas conhecem-me geralmente por Satanás, Diabo, Belzebu, etc. [esboço de um gesto com a mão direita no ar] Ouça-me [põe a mão sob o ombro dele] até ao fim [obriga-o a sentar-se]. Isso, sente-se. Muito bem. Antes de mais, devo dizer-lhe em abono da verdade, que nenhuma das histórias que circula por aí àcerca de mim é verdadeira — uma vulgar corruptela de antigas fábulas inventadas por pastores ignorantes, que de qualquer maneira ninguém entende, e de um notório mau gosto pelintra. Digamos que a versão que ele [aponta para cima] espalhou por aí não é propriamente confiável. Sou um cavalheiro. Sou advogado. Sob a minha chefia estão mais almas do que alguma vez poderia contar. Nunca aceitei subornos. Sou aquilo que se pode chamar um homem de sucesso. Sou um liberal. Eu e a organização que dirijo estamos interessados no bem estar eterno da raça humana, no seu bem estar eterno. Mas quer acredite em Mim quer não, isso pouco interessa agora. A razão de Eu estar aqui é que chegou hoje ao meu luxuoso palácio alguém que deve conhecer. Apesar do acidente brutal, a sua esposa — a Vera — continua... Oh... não me diga que esperava que ela fosse para o céu?... É compreensível, as pessoas geralmente esperam isso. Mas deixe-me que lhe diga — vá, não chore... — [silêncio entrecortado por soluços] — vá, não chore... [duas palmadinhas nas costas]. Talvez goste de saber que os cirurgiões ao meu serviço são bastante competentes e conseguiram reconstruir a sua querida Vera. A cabeleira ruiva onde tantas vezes escondeu o seu rosto. As pestanas cor de ferrugem que viu bater como asas de borboleta pela primeira vez numa tarde solarenga em dezassete de Junho de **** junto a... [soluços] Os olhos castanho claros que os seus olhos memorizaram em todos os detalhes. O longo pescoço que adorou com tão loucos gritos de prazer. Os braços de flamingo que tantas vezes o enlaçaram. Os dezassete sinais — Eu também lá estava e também os contei — nas costas dela. [silêncio. Nariz a fungar] Mas como estava a dizer-lhe o céu não é o que vulgarmente se pensa que é. Primeiro é um clube elitista. Não sabia, pois não? Mas é. O outro exige cartão de membro. Eu não faço exigências. Ao contrário de lá em cima [aponta para o tecto], na minha mansão há muitas moradas. E quando for embora vou para lhe preparar um lugar. E sabe o que é que eles fazem no céu? Nada. Olham para ele. Depois cantam. Depois voltam a olhar para ele. Nada. É verdadeiramente insuportável a cacofonia produzida por anjos e anjeletas com os seus instrumentos de metal enferrujado. Eu, ao contrário, tenho total respeito pela humanidade e pelos seus curiosos gostos. Sou Eu que verdadeiramente ama a raça humana: tal e qual como ela é. Acredite-me: o meu único desejo é a sua felicidade [sorriso complacente]. Hmmm... [Olha para ele] Alguma vez ouviu falar de Glauco? Um velhote simpático atacado de loucura mansa que intuiu que os paradoxos de Zenão podiam ser virados contra a própria textura do Tempo. Um homem ao abrir os olhos sabe que tem de chegar ao fim do dia e fechá-los outra vez. Mas antes de chegar ao fim do dia tem de chegar ao meio do dia, e antes de chegar ao meio dia tem de chegar ao meio da manhã e assim sucessivamente até ao infinito, de maneira que nunca chega a passar do instante em que abriu os olhos, ficando suspenso numa espécie de limbo temporal. Glauco poderia ter concluido como aquele Eleata, que para refutar a afirmação de Heraclito que nenhum homem se banha duas vezes no mesmo rio acabou a negar que se banhe uma vez sequer. Ao invés, numa intuição de génio — fornecida por Moi — concluiu que o Tempo não é contínuo mas avança por saltos discretos. Mas se avança por saltos o que é que acontece ao ser entre as negras brechas de não Tempo? Talvez o meu amigo — desculpe-me a familiaridade mas sinto que estamos a estabelecer uma amizade forte e duradoura — talvez o meu amigo, não versado em Escolástica Medieval e Cronodinâmica Quântica, não se aperceba do horror metafísico que especulações como esta são capazes de inspirar. Muitas mentes essencialmente sãs e robustas perderam-se na infinita noite da loucura por questões bem mais comezinhas, e posso afiançar-lhe que esta questão em particular lançou o pobre Glauco num terrível tumulto. Uma noite no meio de intensa oração — meros arrotozinhos da alma — sentiu a inspiração de deus — isto foi o que ele pensou, claro, mas fui Eu que o inspirei. Começou a acreditar que seria deus a manter a coerência e unidade do ser ao transportá-lo com os seus próprios dedos, com os seus dedos ressequidos, os ossos ocos dos dedos, os ossos secos dos dedos mortos, através do vazio do não ser, desmontando o intricado cenário da realidade em cada instante para voltar a montá-lo intacto e íntegro no instante seguinte. Nunca chegou a perceber porque foi condenado como heresiarca gritando até ao fim a sua mais pura ortodoxia. Teve uma morte desgraçada, assado numa fogueira. Conheço pessoalmente o Bispo encarregue da sua condenação — homem jovial e com grande sentido de humor — e assisti ao espectáculo da sua morte. Gosto particularmente de fogos. Humanos. Mas isso são outras histórias — o que Eu lhe quero dizer é que Glauco era um velhote simpático, de barba branca e olhos azuis, dizia as suas orações todas as noites como todo o bom cristão e honestamente acreditava no deus redentor — o pobre coitado [olhar compungido]. Mas deus não o salvou nem do fogo nem da loucura. Nem o salvará a si como não salvou a Vera. Sabia que o condutor do outro carro estava bêbado? E que bastava deus dar um pequeno empurrãozinho, um minúsculo chega-para-lá, para que ele não se atravessasse no caminho da sua mulher? Eu próprio o teria feito apenas se ele me deixasse. Sou Eu o seu verdadeiro consolador e venho oferecer-lhe a possibilidade de vê-la outra vez. Basta querer [pausa]. A meu ver tem duas hipóteses. Pode escolher a loucura. Pode escolher lançar-se de cabeça no abismo uivante que a dor e a mágoa cavaram dentro de si. Pensando bem, o que vê à sua frente é o trabalho de uma imaginação exausta pelo desespero e pela angústia. Está sozinho nesta sala e esta Voz que ouve existe apenas dentro da sua pobre cabecinha... agora vê-me, agora não [puf!] agora vê-me outra vez [puf! Reaparece envolto em fumo espesso]. Truques baratos de ilusionismo [aproxima-se]. Oiça-me [dá-lhe um estalo], oiça-me bem, meu [obscenidades]. Eu sei tudo e proíbo-o expressamente de enlouquecer! Proíbo-o! [agarra-o pelos ombros e abana-o] A loucura não é opção! Definitivamente. Assim, resta-lhe apenas uma hipótese. Vou sair pela janela; deixo-a aberta para me seguir. Daqui até ao chão são quinze andares, uma queda de quarenta e cinco metros, cerca de nove segundos da mais pura e intoxicante liberdade. Na sua viagem libertadora talvez tenha oportunidade de reparar no casal de libertinos na décima primeira janela que, satisfeitos da sessão de livre, saudável e robusto sexo, brindararão a si e à sua queda em direcção à felicidade em taças de champanhe borbulhante. Estarei lá em baixo, de braços abertos para o levar para uma cela confortável no Inferno, especialmente preparada para si. Numa cela contígua encontra-se a sua mulher que neste preciso momento está ser sodomizada por uma legião de demónios de testículos gigantes e hálito sulfuroso. Também lhe posso dizer que ela está a gostar muito da experiência. Se o menino se portar bem talvez lhe deixe dar uma espreitadela pelo buraco da fechadura [belisca-lhe as bochechas]. Olhe, para si, até abro uma excepção e deixo-o juntar-se aos demónios. O rabinho da sua mulher é mesmo uma fofura. Vou andando. Não se demore muito. [A sair pela janela] Lá o espero.


domingo, abril 24, 2005

 

Invenções


Qualquer enciclopédia vos dirá que a pólvora foi inventada pelos chineses no século IX. Mas a verdade acerca da pólvora é nos contada por Milton, que no Paradise Lost atribui a sua invenção ao Diabo. Blake afirma no seu Marriage of Heaven and Hell que Milton era um verdadeiro poeta e do partido do Diabo sem o saber, o que apenas confirma a veracidade da atribuição de Milton.



sexta-feira, abril 22, 2005

 

Aventuras na terra do meu corpo IV (visão)


Hoje vi-me a mim mesmo. Sentado na chão contra a parede. Luz doente de hospital. Camisa branca, nó da gravata desfeito. Gravata vermelha. Olhar vazio por trás dos óculos. A sangrar do nariz. A sangrar muito.

Banda Sonora: The Pixies — I Bleed.



quarta-feira, abril 20, 2005

 

Há 30 anos


There was so much that he wanted to say — that he would never see Paris now, still less his homeland, that his whole life had been stupid and fruitless, and that he didn’t know why he had lived, or why he was dying.
Mary, Vladimir Vladimirovich Nabokov

O mau tempo voltou. Há vários dias que não temos sol, apenas este céu de chumbo a desfazer-se em água por cima de nós. Os cadáveres de jornalistas mortos entopem os esgotos. Andam a fazer obras nas redondezas e agora, a cerca de duzentos metros, passa uma maldita estrada e à noite os carros vêm de máximos acesos e incandeiam a minha janela. Já não há bandos de pombos a voarem por cima dos telhados. De facto, já não há pássaros nem árvores nem folhas a cair. Em compensação, quase todos os dias ouve-se uma nova história de ultraviolência. Acho que perdi peso. Não tenho dormido nada.

E foi numa destas noites de insónias, enquanto tentava embebedar-me (mais uma vez, falhei completamente), que finalmente me apercebi com total lucidez que não tenho futuro de espécie nenhuma. A minha vida acabou aqui. E para falar a verdade não é coisa que me importe, pois suspeito que passarei os próximos trinta anos a tentar reviver o que sobrou das minhas memórias. Não precisa de futuro quem ainda tem de viver o seu passado.

Banda Sonora: Tuxedomoon — 2000.



segunda-feira, abril 18, 2005

 

Do silêncio


Ah, everything is noisy. Just as strong drink is said to stir the blood, so everything in our day, even the most insignificant project, even the most empty communication, is designed merely to jolt the senses or to stir up the masses, the crowd, the public, noise! And we humans, we clever fellows, seem to have become sleepless in order to invent ever new means to increase noise, to spread noise and insignificance with the greatest possible ease on the greatest possible scale. Yes, everything has been turned upside down. The means of communication have been perfected, but what is publicized with such hot haste is rubbish! Oh, create silence!
— S. Kierkegaard.

É raro ver televisão ou ouvir rádio. Não possuo telemóvel. Não uso messenger. Nunca entrei num chat room. Dificilmente os meus amigos me arrancam uma palavra da boca e ainda assim falo demais. Dificilmente os meus (poucos) amigos me vêem, o que, incidentalmente, mostra o quão generosos são comigo (Se algum deles estiver a ler: obrigado!). Sou um buraco na realidade que o ar se encarregará de encher. E no entanto, o ruído dentro do meu crâneo é insuportável.

Banda Sonora: A escolha óbvia seria o 4:33 de John Cage, mas o compositor (como compositor) é sobrevalorizado e só para contrariar escolho os sessenta e tal segundos – não me lembro do número exacto e não me apetece verificar – de silêncio dos Ciccone Youth.



 

Gracejos


Lembro-me de dizer à ***** que o sexo era o dever que um homem cumpre depois de estar casado. Nunca percebeu o melancólico gracejo.



sábado, abril 16, 2005

 

Runaway train


Runaway Train

Call you up in the middle of the night
Like a firefly without a light
You were there like a blowtorch burning
I was a kid that could use a little turning

So tired that I couldn't even sleep
So many secrets I couldn't keep
Promised myself I wouldn't weep
One more promise I couldn't keep

It seems no one can help me now
I'm in too deep there's no way out
This time I have really
Led myself astray

Runaway train never going back
Wrong way on a one way track
Seems like I should be getting somewhere
Somehow I'm neither here nor there

Can you help me remember how to smile
Make it somehow all seem worthwhile?
How on earth did I get so jaded?
Life's mystery seems so faded

I can go where no one else can go
I know what no one else knows
Here I am just drowning in the rain
With a ticket for a runaway train

Everything seems cut and dry
Day and night
Earth and sky
Somehow I just don't believe it

Runaway train never going back
Wrong way on a one way track
Seems like I should be getting somewhere
Somehow I'm neither here nor there

Bought a ticket for a runaway train
Like a madman laughing at the rain
A little out of touch, a little insane
It's just easier than dealing with the pain

Runaway train never going back
Wrong way on a one way track
Seems like I should be getting somewhere
Somehow I'm neither here nor there

Runaway train never coming back
Runaway train tearing up the track
Runaway train burning in my veins
Runaway but it always seems the same

— Soul Asylum.

Esta canção foi bastante popular quando saiu. O adjectivo "popular," embora em certas bocas pedantes e cretinas soe como um insulto, é de facto um elogio.

Apesar de não estar propriamente no Panteão das Grandes Canções ainda assim tenho um especial carinho por esta canção. Talvez porque o nunca ter verdadeiramente corrido o risco de me perder seja mais um indicativo das circunstâncias favoráveis que me cercaram do que verdadeira saúde emocional. Ou uma imaginação doente (não doentia). Ou qualquer coisa assim parecida.

Ao ouvi-la agora, mais velho e resignado, ocorrem-me duas coisas. Primeiro, que eu já não me identifico com o miúdo prestes a saltar para o abismo mas com aquele que está de fora e tenta fazer alguma coisa para impedir a tragédia e pôr algum juízo naquela cabeça confusa — o que me parece querer dizer que cresci alguma coisa em direcção à madureza cristã. Segundo, é que chegarei inevitavelmente atrasado, e na minha retina fica gravado um miúdo de costas, paralizado no ar de braços abertos e os cabelos castanhos soltos e por baixo o abismo de boca aberta para o engolir. O que isto diz ácerca de mim é que eu já não sei.

A Ler: Não há muitas dúvidas, pois não? Catcher in the Rye — J. D. Salinger.

P.S.: Por favor, não me chateiem por eventuais erros na transcrição da letra da música.



quinta-feira, abril 14, 2005

 

Vite!


Depressa! Vão até ao Vitriolica webb's ite, que o blog da Vit 'n' Madge está a comemorar um ano de actividade com uma série de desenhos fantásticos. Estranho quando um dos melhores blogs da blogosfera portuguesa é escrito em... Inglês.



quarta-feira, abril 13, 2005

 

Aventuras na terra do meu corpo III


Há uma semana sem querer olhei-me ao espelho e reparei que tinha uma ferida aberta na cara. Tinha a largura de quatro dedos meus (eu mesmo fiz a medição enfiando-os lá dentro) e profundidade desconhecida. Tinha gengivas e dentes. Um vago conhecido meu disse que é uma "boca" (?!) e que toda a gente tem uma e depois confirmou a afirmação escancarando a dele. Não me interessa se toda a gente tem uma; o facto é que já usei álcool, água oxigenada, tintura de iodo e Betadine e a ferida ainda não cicatrizou. Há quatro dias começou a sangrar e hoje de manhã tive que substituir os pensos rápidos por compressas. O aspecto tem vindo a piorar de dia para dia.



segunda-feira, abril 11, 2005

 

De dedinhos esticados


O autor da Voz do Deserto (um dos meus blogs favoritos) escreveu hoje o seguinte que cito na totalidade:


O único acto no qual os defensores de alguma coisa (vida, direitos humanos, bichinhos, Natureza) são realmente bons é a acusação.

O que devemos depreender? Que o autor não é defensor de nada? Que o autor não é bom em nada? Que o autor não estica os dedos? Que o autor não tem dedos para esticar? Que está apenas a tentar ser engraçadinho como eu?



 

Por outras palavras


Por outras palavras, e parafraseando V. Nabokov, quando ouço algum crítico falar de uma escritora e da sua "escrita feminina" sei que ou o crítico ou a escritora são rematados idiotas.



domingo, abril 10, 2005

 

Fruta estranha



Billie Holiday


Strange Fruit

Southern trees bear a strange fruit
Blood at the leaves and blood at the root
Black body swinging in the southern breeze
Strange fruit hanging from the poplar trees
Pastoral scene of the gallant south
The bulging eyes and the twisted mouth
Scent of Magnolia sweet and fresh
And the sudden smell of burning flesh
Here is a fruit for the crows to pluck
For the rain to gather, for the wind to suck
For the sun to rot, for the tree to drop
Here is a strange and bitter crop

— Letras e música de Lewis Allan.


Strange fruit foi escrita nos finais da década de 1930 por Abel Meeropol sob o pseudónimo de Lewis Allan, um professor Judeu e activista sindical. Foi popularizada por Billie Holiday (7 Abril, 1915 – 17 Julho, 1959) que a cantou pela primeira vez no Café Society em Nova Iorque em 1939. Ela própria haveria de escrever mais tarde na sua autobiografia que "There wasn't even a patter of applause when I finished. Then a lone person began to clap nervously. Then suddenly everybody was clapping."

Abel Meeropol compôs a canção após ter visto uma fotografia de um linchamento de um negro no sul dos Estados Unidos, mas o seu apelo é, finalmente, universal, porque a baloiçar enforcados da Árvore da Vida estamos todos nós; para os corvos debicarem, para o vento chupar, o sol apodrecer e a árvore deixar cair. Esta é a marca da grande arte, da única que verdadeiramente interessa: aceita todos os condicionamentos históricos, societais, económicos e o que mais vocês quiserem, e transcende-os para, num espaço de liberdade em relação ao Tempo e ao seu ministro, a Morte, comunicar directamente com a solidão mais profunda em cada um de nós.

Banda Sonora: Custa-me muito abandonar a Billie Holiday, mas escolho a versão de Cassandra Wilson em New Moon Daughter (1995), superiormente acompanhada por Chris Whitley na guitarra, Lonnie Plaxico no baixo e Graham Haynes no trompete.



sábado, abril 09, 2005

 

Nova parábola do Bom Samaritano II


Ora aconteceu que certo Sacerdote descia de Jerusalém para Jericó e ao ver à beira da estrada certo homem deitado de costas que mostrava ter recebido muitos golpes passou para o outro lado e continuou caminho. Do mesmo modo um Levita, ao chegar ao lugar, quando o viu mudou para o lado oposto da estrada. Mas certo Samaritano, viajando pela mesma estrada, vendo-o teve compaixão e aproximou-se dele, ao que o homem deitado de costas que aparentava estar semimorto levantou-se de um salto, e com ele saíram de trás dos arbustos mais três salteadores, e caíram sobre o Samaritano e tanto o despojaram como lhe infligiram muitos golpes e foram-se embora deixando-o semimorto à beira da estrada. O mesmo Sacerdote, no caminho de volta para Jericó, ao ver o Samaritano deitado e semimorto continuou o seu caminho. Do mesmo modo, o Levita, ao voltar para casa não fez caso do Samaritano. E assim morreu o Samaritano sem que ninguém lhe prestasse ajuda. Qual a moral da parábola só Deus o Altíssimo, Juíz dos Vivos e dos Mortos, é que sabe.



 

Nova parábola do Bom Samaritano


a man fell among thieves
lay by the roadside on his back
dressed in fifteenthrate ideas
wearing a round jeer for a hat

fate per a somewhat more than less
emancipated evening
had in return for consciousness
endowed him with a changeless grin

whereon a dozen staunch and leal
citizens did graze at pause
then fired by hypercivic zeal
sought newer pastures or because

swaddled with a frozen brook
of pinkest vomit out of eyes
which noticed nobody he looked
as if he did not care to rise

one hand did nothing on the vest
its wideflung friend clenched weakly dirt
while the mute trouserfly confessed
a button solemnly inert.

Brushing from whom the stiffened puke
i put him all into my arms
and staggered banged with terror through
a million billion trillion stars

— e. e. cummings.


segunda-feira, abril 04, 2005

 

Aforismos II


The hole is greater than the scum of its arts.



sábado, abril 02, 2005

 

Sangue no céu



A nebulosa Califórnia, também conhecida por NGC 1499, está a cerca de 1000 anos luz na direcção da constelação de Perseu e tem cerca de 100 anos luz de extensão. O brilho vermelho é devido à recombinação de hidrogénio ionizado com electrões livres.

O rasto do sangue do Senhor aquando da sua ascensão ao céu. O rasto do nosso sangue.



sexta-feira, abril 01, 2005

 

Possessões


"I haf nofing," wailed Pnin between loud, damp sniffs, "I haf nofing left, nofing, nofing!"
Pnin, V. Nabokov

Podes levar tudo embora. Podes desmontar o Universo pedaço a pedaço e levá-lo inteiro e Deus junto com ele. O azul da abóbada celeste, os tijolos da parede, as fissuras na minha vida, os meus dedos, a minha garganta. Podes levar tudo contigo.

Banda Sonora: Mazzy Star — Take Everything.



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