Depois dos vinte anos, quando, de repente, comecei a pensar pela minha própria cabeça, nunca mais quis ter amigos. Os únicos amigos que tenho são os mortos que me deixaram a sua literatura, não tenho outros amigos. Aliás, foi-me sempre difícil ter alguém, porque não imagino palavra mais conspurcada por todos e tão sem sabor como a palavra amizade. Desde muito jovem que, em determinadas alturas, não tenho absolutamente ninguém, todas as outras pessoas já alguma vez tiveram alguém, eu nunca tive ninguém, pelo menos sabia que não tinha ninguém quando os outros afirmavam constantemente o contrário, diziam, tens alguém, nessa altura eu tinha toda a certeza de não ter ninguém, talvez a ideia de não precisar de ninguém tivesse sido, para mim, a mais destruidora e a que mais decidiu o meu destino. Meteu-se-me na cabeça não precisar de ninguém e ainda hoje disso estou convencido. Não precisava de ninguém, portanto, não tinha ninguém. Mas é natural precisarmos de alguém, senão tornar-nos-emos, inelutavelmente, naquilo em que me tornei: difícil, insuportável, doente, no mais profundo sentido da palavra, impossível.
— Thomas Bernhard, Betão (trad. de Maria Olema Malheiro)
# posted by G. Rodrigues @ 12:48 da tarde