quinta-feira, maio 19, 2005

 

Aventuras na terra do meu corpo V


Cheguei a casa, pus a chave à porta e fui mortalmente acolhido por um apartamento morto. Despi o capachinho e pendurei-o no cabide. Descalçei os pés, engraxei-os e arrumei-os debaixo da cama. Tirei o sorriso e escovei-o. Descolei o nariz e mergulhei-o num copo com três partes de água para uma parte de lixívia. Afastei as pálpebras, com os dedos retirei os olhos e limpei-os em água corrente. Ao fim de onze mil seiscentos e oitenta e três dias a repetir este mesmo gesto, ver o mundo a girar a partir de um globo de vidro debaixo de uma cascata de água perdeu a graça inicial. Desatarrachei os dentes e meti-os num copo: lançei-os como se fossem dados para ver o que é que acontecia. Nada aconteceu. Pus as orelhas a adormecer em algodão. Xiuuuuu! Larguei a pele aos pés da cama e deitei-me. Desmontei as mãos. Raios! Montei as mãos, desliguei a luz e liguei a escuridão, voltei a desmontar as mãos e tentei adormecer. Um pensamento escapou-se da minha boca e como um balão flutuou universo fora. Sonhei que sonhava e acordeci que adormia.

Banda Sonora: A música termonuclear dos Teenage Jesus and the Jerks — I woke up dreaming.



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Estamos condenados a ficar com o nosso cérebro. Só e apenas
 
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