terça-feira, agosto 30, 2005

 

Reino dos silêncios


O homem bom, do bom tesouro do seu coração, traz para fora o bom, mas o homem iníquo, do seu tesouro iníquo, traz para fora o que é iníquo; pois é da abundância do coração que a sua boca fala.
— Ev. de S. Lucas 6:45.

Mas o coração está cheio de Nada e a boca cheia de Terra. Este é o Reino dos Silêncios.



segunda-feira, agosto 29, 2005

 

Aventuras na terra do meu corpo VIII


O meu peso desejável está entre os 50 e os 55kg; o meu peso normal são 50. Em Outubro do ano passado consegui reduzir até aos 45. Estamos em Agosto e vou nos 43. Tem sido difícil reduzir ainda mais; acho que é por não fazer suficiente exercício — canso-me depressa. Mas não vou desistir. O meu objectivo imediato é chegar aos 30-35, quando provavelmente precisarei de uma cadeira de rodas eléctrica para me mover. Mas não vou ficar por aí. Quando chegar aos 20 pedirei ao vento para me soprar para dentro da Noite Escura e Funda. Chegarei aos 10kg e serei translúcido. Quando tiver 5kg os ratos reconhecer-me-ão como um deles. Com peso zero serei atingido pela imponderabilidade. Mas não ficarei por aí e continuarei a emagrecer até atingir um peso negativo. A gravidade então encarregar-se-á de me expulsar da Terra; como um cometa, vogarei eternamente pelos Espaços Vazios e Escuros, onde Deus mora sozinho.



quinta-feira, agosto 25, 2005

 

G. Rodrigues e outras observações


Um ponto; rubro na distância.

But I, being poor, have only my dreams;
I have spread my dreams under your feet;
Tread softly because you tread on my dreams.
He Wishes for the Cloths of Heaven (três últimos versos), W. B. Yeats.

Uma sardinha gosta da sua lata.

As piranhas
Como as aranhas
São estranhas!
Ainda mais
Se castanhas.
Se as comes,
Mordem-te
As entranhas,
E vivas —
Nunca as apanhas!

Nada foi roubado, mas a janela estava aberta.

Há muita miséria por esse mundo fora; por um momento, o nosso coração para horrorizado pela piedade — mas rapidamente, como engraçado relógio de corda, volta a tiquetaquear.

There is nothing Satan finds funnier than to make mock martyrs of his minions.

O silêncio de Deus: mais alto que todos os gritos do mundo.

Andar descalço em cima de relva molhada.

I Broke a Sheaf of Light
— título de um poema de A. R. Ammons.

Fender o ar à minha volta.

Aprendemos as respostas quando já tínhamos esquecido as perguntas.

Não ter memória é o luxo das crianças; não esquecer é o dever dos velhos.

All these weapons are free.

Em fileiras cerradas, prontos para a batalha. Escudos polidos e lanças apontadas.

Isto é guerra; este aprender a derrota.

Surdos-mudos a cantarem com as mãos e os braços.

Como o rico a contemplar Lázaro: do lado de cá do Abismo.

Definição: Fanático; o insulto (julgam eles) preferido de pagãos e incrédulos.

Peixes voam no ar.



quarta-feira, agosto 17, 2005

 

Save what you can


O intenso poema de Frost trouxe-me à memória uma canção de um grupo australiano, os The Triffids. Junto com o Tom Waits e os Tuxedomoon, constituem a Santa Trindade dos T's, e eu espero algum dia ainda escrever qualquer coisa sobre eles. Por agora ficam as seguintes palavras de David McComb (morreu em 2 de Fevereiro de 1999, dois dias depois de um acidente de carro e de o Hospital lhe ter dado alta):


If you cannot run then crawl,
If you can leave, then leave it all,
If you don't get caught, then steal it all,
If you don't get caught, then steal it all

Between ourselves and the end at hand
Just save what you can

Save What You Can.

No domínio do espiritual nunca se pede desculpa por ter resgatado à destruição um fragmento do nosso coração. Estamos em guerra: o sentimento de culpa por se ter sobrevivido é inteiramente deslocado.



terça-feira, agosto 16, 2005

 

The figure a poem makes


Num famoso ensaio intitulado The Figure a Poem Makes, Frost escreve:


The figure a poem makes. It begins in delight and ends in wisdom. The figure is the same as for love.

Concordo com a terceira e última frase. A segunda, não sendo verdadeira, é aquilo que Wallace Stevens chamaria de uma ficção:


The final belief is to believe in a fiction, which you know to be a fiction, there being nothing else. The exquisite truth is to know that it is a fiction and that you believe in it willingly.

Ou, por outras palavras, toda a grande poesia, inclusive o poema de R. Frost I Could Give All To Time, é precisamente a demonstração de uma grande não-sabedoria poética: uma ficção em que se acredita voluntariamente. A (grande) poesia não responde à pergunta Como viver? ou O que fazer? (Cristo faz isso) mas dá-nos lentes para ler o mundo, e, mais importante, para ler a nós mesmos.



segunda-feira, agosto 15, 2005

 

A arte da contenção


I Could Give All To Time

To Time it never seems that he is brave
To set himself against the peaks of snow
To lay them level with the running wave,
Nor is he overjoyed when they lie low,
But only grave, contemplative and grave.

What now is inland shall be ocean isle,
Then eddies playing round a sunken reef
Like the curl at the corner of a smile;
And I could share Time's lack of joy or grief
At such a planetary change of style.

I could give all to Time except — except
What I myself have held. But why declare
The things forbidden that while the Customs slept
I have crossed to Safety with? For I am There
And what I would not part with I have kept.

Há um mês pus aqui o poema de Elizabeth Bishop, The Art of Loss. I Could Give All To Time é um poema de Robert Frost (1874-1963), publicado em 1942 no livro A Witness Tree. Tinha 68 anos. Frost sabe que o Tempo, indiferente, destruirá tudo no seu caminho, mesmo as covinhas ao canto de um sorriso. Mas como poeta, ainda mais forte e feroz que E. Bishop, dá-nos, contra o Tempo e o seu verdadeiro ministro, a Morte, a sua versão da arte da contenção: For I am There And what I would not part with I have kept. Sem remorsos nem piedade.



domingo, agosto 14, 2005

 

Uma Stevensoniana


What are these? These sounds, these thoughts?

The incessant blather of an old comedian in the dark.
The rattle of ghosts haunting an empty house.



terça-feira, agosto 09, 2005

 

Seis meses


Fez Domingo passado seis meses que este blog abriu. Os dedos da mão esquerda de um homem que perdeu metade dos dedos da mão esquerda numa explosão chegam para contar os seus leitores. Há vantagens neste obscuro anonimato. Posso entreter fantasias acerca da mesquinhez da Blogosfera em reconhecer o meu génio. Posso imaginar que sou um profeta a abrir a boca e a expulsar sons para o ar seco do Deserto. Posso imaginar muitas coisas. De qualquer maneira, uma coisa é certa: as palavras não têm consequências; depressa me esquecerei delas. Escrever também é isto: uma maneira certa de nos esquecermos do pouco que ainda temos para dizer. E assim se aperfeiçoa o redondo côncavo do meu Silêncio.

Banda Sonora: Sugarcubes — Birthday.



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