quarta-feira, junho 29, 2005

 

A preto e branco


Começo por agradecer a gentileza e a paciência com que Pedro Mexia respondeu ao meu pedido de esclarecimentos (para usar de um estafado cliché) a um post seu. Podem ver a transcrição do meu email bem como a resposta em A Preto e Branco (2). O post original está em A Preto e Branco.

Não gosto de polémicas, muito menos públicas; sou demasiado impaciente para debates. Mas afinal de contas, fui eu que disparei a primeira salva e pedi uma resposta pública (que raio é que me passou pela cabeça para introduzir aquele parêntesis?), pelo que é somente justo que a resposta seja também pública.

Detesto parecer um inquisidor (olhar de aço, a espumar da boca, punhal na mão direita, Bíblia na esquerda), mas o post de Pedro Mexia deixou-me com mais perguntas do que propriamente respostas. Isto reflecte-se no exagerado número de pontos de interrogação abaixo: vejam-nos não como uma tentativa de prolongar a discussão ad aeternum (Deus nos livre!) mas como uma genuína tentativa de entendimento. Indo contra o meu Herói, o Dr. Samuel Johnson ("Questioning is not the mode of conversation among gentlemen"), e com as minhas desculpas antecipadas pela impertinência, aqui vai:


Caro Gonçalo: Digo que o cristianismo «propõe um modelo de comportamento». Digo e repito. O Gonçalo acha estranha a expressão. Que parte da expressão? Imagino que seja o «propõe». Mas se não é uma proposta é exactamente o quê? Não certamente uma imposição. A «curiosa» expressão é usadíssima por padres e leigos (nada «progressistas») para indicar que o cristianismo tem determinados valores e que os apresenta a quem os quiser seguir (livremente). Não encontro nisso nenhum aspecto curioso.

Certíssimo, só é Cristão quem quer. Mas não é essa a minha dúvida. A minha dúvida é a partir do momento em que alguém afirma ser Cristão (volto a relembrar: Cristão = seguidor de Cristo) que sentido tem dizer que a moralidade sexual (santidade no casamento, castidade fora dele, etc. - deixo de fora preservativos e quejandos, que são outros quinhentos escudos cuja verdadeira relevância só se fez sentir muito recentemente na história Cristã) é uma proposta de "modelo de comportamento"? Cada Cristão responde solitariamente perante Deus pela sua conduta, mas que sentido tem afirmar que se é Cristão quando não se aceita os ensinamentos de Cristo e dos Apóstolos? Cristão é um qualificativo com implicações, e eu não consigo separar a palavra "Cristão" da palavra "obediência." Qual é para si exactamente a fronteira a partir da qual em que a palavra "Cristão" deixa de qualificar o que quer que seja e passa a ser palavra ôca, como "sino que retine"?


Diz o Gonçalo que a moralidade cristã foi sempre a mesma. Desculpe, mas é uma afirmação sem sentido. Em dois mil anos de mundo e nos quatro cantos do mundo a moralidade cristã (e a moralidade sexual em especial) foi imensamente mutável, de acordo com problemas e sensibilidades particulares, com numerosas disputas teológicas, com alterações na sociedades. Há com certeza princípios básicos que não mudam, mas a adaptação ao concreto assume formas tão diversas que supor que temos a mesma exacta moralidade de um cristão africano ou de um cristão renascentista é um delírio. E a ideia de que temos a mesma moral sexual de Abraão, um delírio total.

A moralidade sexual que Cristo pregou não foi propriamente inovadora ou revolucionária. Os contemporaneos de Jesus, em geral, reconheciam-na como sua. Em mais do que um sentido, não passam de lugares-comuns, comuns porque genuinamente partilhadas pelo grosso da humanidade. É certo que não temos a mesma exacta moralidade de Abraão; Abraão teve mais de uma mulher (o que, pensando bem, até nem é muito diferente do que se passa hoje em dia). O mesmo direito foi continuado na Lei judaica. Mas o que eu disputo e nego é que "Há com certeza princípios básicos que não mudam, mas a adaptação ao concreto assume formas tão diversas que supor que temos a mesma exacta moralidade de um cristão africano ou de um cristão renascentista é um delírio." Formas tão diversas?! Admito que o meu conhecimento de história é muito limitado, mas quais são os exemplos Cristãos em que a "adaptação ao concreto" assumisse formas muito diversas das de hoje? Que se consigam encontrar tais exemplos não me espanta. Parafraseando o Outro, a história é um pesadelo, infindável e com os seus monstros muito próprios, e se procurarmos o suficiente até encontraremos Cristãos ateus, mas qual a relevância desses exemplos?


Quando o Gonçalo escreve: «o cristão é, literalmente, um seguidor de Cristo - tudo o resto são tretas», parece que para si tudo é imediato e evidente no cristianismo. Parece que encontra sempre para todos os problemas uma visão transparente e cristalina (e a única admissível). Coisa sumamente estranha, tendo em conta que os teólogos e mesmo os santos andam a discutir tudo e mais alguma coisa (por vezes com grande violência) há vinte séculos. Nem São Paulo e São Pedro tinham opiniões semelhantes nalguns assuntos. E se dois apóstolos podem discordar, eu também posso com certeza discordar de si (e vice-versa). Sem atestados de apostasia.


Isto faz-me lembrar uma passagem de G. K. Chesterton algures, em que ele garante a sua tolerância para com todas as opiniões e dogmas dos seus adversários, mas que não lhe peçam para ter respeito ou tolerância para com as dúvidas e preconceitos. E o Pedro Mexia nunca tem inquietações sobre as suas inquietações? O dever de um cristão não é tanto entender ou compreender plenamente a mensagem de Cristo (tarefa admitidamente impossível) mas, naquilo que compreende e entende, obedecer. E à força de tanta dúvida e confusão, só me resta perguntar se ainda resta alguma coisa para obedecer. Posição muito confortável essa de ficarmos pelo plano das ideais, do que não é "imediato" nem "evidente".

Quanto a mim, não, não tenho uma resposta imediata e transparente para todas as perguntas concebíveis e imagináveis, nem sequer para muitas delas. E admito que é a minha falta de sofisticação moral que me impede de ter (muitas) dúvidas quanto aos princípios de moral sexual (santidade no casamento, castidade fora dele, etc.). Mas volto a citar as palavras de Jesus Cristo:


No entanto, eu vos digo que todo aquele que se divorciar de sua esposa, a não ser por causa de fornicação, expõe-se ao adultério, e quem se casar com uma mulher divorciada comete adultério.
— Ev. S. Mateus 5:32

Que dúvidas é que há sobre este texto? Como é que quer que eu o leia? Achar que ele não tem importância ou que é de alguma maneira menor, é uma posição difícil de manter. Toda a tradição Cristã confirma-o. Mais uma vez: onde é que na história do Cristianismo há exemplos relevantes de se entender este texto ou a moral sexual (santidade no casamento, castidade fora dele, etc.) de maneira diferente? Virando a pergunta ao contrário: se alguém cometer adultério, para usar as palavras do texto citado, esse alguém cometeu um pecado? Precisa de se arrepender? Precisa de perdão? Precisa de perseverar em não repetir o comportamento?

(reitero as minhas desculpas por estar a disparar perguntas como se fosse uma metralhadora)

O Pedro Mexia lembra-se certamente da passagem do Evangelho de S. João, em que os Doutores da Lei e Fariseus pretendem apedrejar uma mulher acusada de adultério. Se de facto, o adultério não é pecado, então parece-me que toda a passagem, uma das mais belas dos Evangelhos (que digo eu! de toda a literatura!), não faz sentido nenhum. Misericórdia, compaixão, perdão, etc., só fazem sentido onde de facto há falta e pecado. Esta é, para mim, a substância da questão. Tudo o resto vem depois.


Um cristão é aquele que está unido a Cristo pela sua fé. E a fé tem uma dimensão puramente transcendente, inexplicável e que, como o Gonçalo recorda, não é passível de nenhum discurso intelectual satisfatório. O mais são preservativos e outras mundanidades que importam muito mas que não importam nada perante a dimensão espiritual.

Considero as matérias de fé mais importantes que as matérias de costumes. O Gonçalo, como outros católicos que me têm excomungado na blogosfera, acha que não. Está no seu direito. Mas espero que me reconheça o direito de ter uma opinião diferente da sua.


Para responder à sua irritação, e apesar do tom da minha Voz por vezes trair-me, não tenho o mínimo desejo de o excomungar (mas talvez fosse oportuno lembrar que Cristo deu autoridade aos Apóstolos para o fazer). Para começar, sou Cristão mas não de persuasão católica, pelo que não tenho nem o direito, nem a autoridade nem a moralidade para lhe passar um atestado de apostasia. "Mero Cristianismo" é o nível em que eu desejo manter-me nesta questão. Mas enfaticamente, matérias de moral não são matérias de costumes. Os costumes mudam no espaço e no tempo, a moral não. A minha injunção é que a moral sexual não muda (santidade no casamento, castidade fora dele, etc.) e que a verdade foi revelada de uma vez para sempre. E se é certo que a vivência da Verdade precisa ser adaptada ao momento pessoal e histórico concreto, não consigo perceber exactamente o que é que pretende adaptar na moralidade sexual. Acha que se deve enfatizar a compreensão pelas circunstâncias específicas de cada um? Talvez; a questão posta assim desta maneira geral nem sequer é passível de ter uma resposta concreta. Mas deixar de chamar os bois pelos nomes (pecado, por exemplo), ou iludir as questões morais, apenas aumenta a confusão, que apesar de ser um estado mental que muitas pessoas, inclusive Cristãos, apreciam, não faz propriamente o meu estilo. Mais, acho que devemos a Ele, devemos a nós mesmos, procurar a luz e a claridade.

Há sempre algo de desagradável em falar de pecados, moralidades e deveres; se todos tivéssemos asas e fôssemos perfeitos seriam outras e bem melhores as Palavras que sairiam das nossas bocas. Mas este é o Mundo em que vivemos e nós somos o que somos, e parece-me a mim que precisamos de ser constantemente (re)lembrados da guerra espiritual que todo o Cristão precisa de travar: em primeiro lugar contra si mesmo, mas também contra o Mundo e contra o Inimigo.

Talvez o que nos separa nesta questão seja mera ênfase e terminologia: pessoalmente, duvido. Talvez eu esteja errado; e, como é óbvio, o Pedro Mexia tem todo o direito de manter a sua opinião; isso, para mim, nunca esteve em dúvida. Ultimamente, como tão bem lembrou, nós somos responsáveis é perante Ele, e é Ele que nos julgará. Rezo para que Ele também nos ilumine.



terça-feira, junho 28, 2005

 

God is watching you II



Nebulosa planetária (NGC 6543) ou "Olho do Gato," a cerca de três mil anos-luz de distância.


Abraham Pais conta no início da sua biografia de A. Einstein, Subtil é o Senhor, que quando o acompanhava até casa, Einstein se vira para ele e pergunta-lhe se ele realmente acreditava que a Lua só existia enquanto olhava para ela. A conversa referia-se à natureza e limites da observação física e ao significado da Mecânica Quântica, em particular ao postulado sobre o colapso da função de onda.

A pergunta que Einstein fez acerca da Lua pode fazer-se em relação a mim mesmo. Como ninguém está a olhar para mim, devo estar numa mistura de estados quânticos. Melhor, se a realidade local não existe (que é o que parece querer dizer o teorema de Bell) eu não devo existir igualmente. De facto, porque é que estou aqui se ninguém está a olhar para mim? A não ser... a não ser que Ele esteja a olhar...

Nota: No seguimento do chamado paradoxo EPR (Einstein-Podolsky-Rosen), J. S. Bell provou em 1964 as chamadas desigualdades de Bell que qualquer teoria física com certas propriedades (basicamente: causalidade local) satisfaz. Todas as experiências efectuadas até agora indicam que estas desigualdades são violadas. A Mecânica Quântica reproduz correctamente os resultados das experiências. Ainda não existe consenso sobre o que é o que o teorema de Bell diz exactamente sobre a realidade física. Para mais informações, queiram consultar:

Bell's Theorem
Spooky Action at a Distance



 

Tenebrae


Nah sind wir, Herr,
nahe und greifbar.

Gegriffen schon, Herr.
ineinander verkrallt, alls wär
der Leib eines jeden von uns
dein Leib, Herr.

Bete, Herr,
bete zu uns,
wir sind nah.

Windschief gingen wir hin,
gingen wir hin, uns zu bücken
nach Mulde und Maar.

Zur tränke gingen wir, Herr.

Es war Blut, es war,
was du vergossen, Herr.

Es glänzte.

Es warf uns dein Bild in die Augen, Herr.
Augen und Mund stehn so offen und leer, Herr.
Wir haben getrunken, Herr.
Das Blut und das Bild, das im Blut war, Herr.

Bete, Herr.
Wir sind nah.

— Paul Celan, Tenebrae.


segunda-feira, junho 27, 2005

 

Stimmen... Verstummen


domingo, junho 26, 2005

 

Desilusões nocturnas


Disillusionment of Ten O'Clock

The houses are haunted
By white night-gowns.
None are green,
Or purple with green rings,
Or green with yellow rings,
Or yellow with blue rings.
None of them are strange,
With socks of lace
And beaded ceintures.
People are not going
To dream of baboons and periwinkles.
Only, here and there, an old sailor,
Drunk and asleep in his boots,
Catches tigers
In red weather.

— Wallace Stevens.


 

Aventuras na terra do meu corpo VII



Calçei as minhas galochas e vesti o meu impermeável. Óculos de mergulhador colocados e vara com rede de metal na mão direita. Vou apanhar tigres vermelhos no ar, enquanto o Mundo se afoga nesta chuva e lama imensa.



sexta-feira, junho 24, 2005

 

Acuso


Este blog é e sempre será pessoal. Nunca desejei polémicas; nunca entrei em diálogo com as (poucas) pessoas que comentaram ou me escreveram emails. Os assuntos do Mundo não são para aqui chamados.

Mas a indignação vai se acumulando. Lentamente, transforma-se em raiva. Muita raiva. O nosso Mundo não só é profundamente iníquo como rejeita completamente qualquer esboço de sanidade. Resta-me apenas Gritar. Resta-me apenas a impotência do grito solitário. Pois é o que farei.

Com alguns meses de atraso, quando já nada disto pode ter alguma importância, aqui vai: ao filho da puta do fornicadúltero do Michael Schiavo que foi a tribunal para poder assassinar a mulher; a esse especial, ah muito especial, cabrão do advogado George Felos; ao cabrão do doutor frankenstein que leu o relatório da autópsia garantindo-nos, como se isso fizesse alguma diferença, que Terri Schiavo tinha apenas metade do cérebro a funcionar; aos filhos da puta dos cabrões dos juízes, essas mediocridades morais, que patrocinaram o assassinato de estado e permitiram que Terri Schiavo fosse morta à fome e à sede; outra vez: aos filhos da puta dos cornudos cabrões dos filhos da puta dos juízes que proibiram que os pais de Terri cuidassem dela; aos filhos da puta que os pariu dos legisladores que tornam a morte uma blandícia e os deficientes profundos em condenados à espera da morte; a todos os grandessíssimos filhos da puta sem razão e sem sentido, que nos Jornais e na Televisão e na Rádio encheram a boca podre da conversa mais fodida, cheia daquela impudente piedade e satânicos bons sentimentos, e que escrevem e que afirmam com todos os dentes que presentemente conservam que a vida de Terri Schiavo era "inútil" e "não humana", que já não era uma "pessoa" que estava ali (engraçado serem não-entidades e autómatos a dizerem isto) e que era preciso "deixá-la morrer com dignidade"; à nossa sociedade de merda que só a rir às gargalhadas é que se pode chamar de Cristã; ao mundo inteiro: eu quero é que Diabo vos foda o cu.

Que Deus tenha piedade de nós todos. Que Deus me perdoe.



quinta-feira, junho 23, 2005

 

Para acabar de vez com os amigos V (Quem são estes?)


Quem são estes que parecem conhecer o meu nome? Que estendem as mãos para me cumprimentar? Lembro-me vagamente de alguns deles como de velhos fantasmas. E no entanto, parecem conhecer-me de há muito... quem são eles? Faço um esforço para me recordar de alguma coisa. Mas nada. De onde é que eles me conhecem? Como é que sabem o meu nome? Quem são estes?



quarta-feira, junho 22, 2005

 

Moulin Rouge



Dante Gabriel Rossetti, Lady Lilith (ou Body's Beauty) Oil on canvas, 38 x 33 1/2 inches. 1864-1869.


Sou um grande admirador de musicais e do Fred Astaire em particular. O último filme musical de autêntico génio foi o One from the heart feito no princípio dos anos 80 pelo Francis Ford Coppola com banda sonora do Tom Waits.

Isto, para dizer que ontem já tarde de noite vi o Moulin Rouge na televisão e que fiquei muito desapontado. Desde o kitsch feérico até à estética de videoclip, desde os arranjos musicais homogêneos e massacrantes até à enjoativa repetição de estafadíssimos clichés dramáticos, passando pelo sorriso do Ewan Mcgregor (Deus! dá mesmo vontade de partir-lhe os dentes com umas soqueiras com bicos de ferro!), é um filmezinho sem graça, fogo de artifício para saloio ver.

E depois, e depois existe a Nicole Kidman. Talvez a única estrela de cinema moderna que tenha alguma hipótese de ascender ao panteão das actrizes imortais, e juntar-se à genealogia que vai desde a Greta Garbo até à Audrey Hepburn. Nunca vi a Nicole Kidman tão bonita como neste filme, mesmo que às vezes mais pareça uma barata tonta. Com os cabelos muitos ruivos e os olhos muito azuis e o rosto muito branco como a Morte ou as figuras de Dante Gabriel Rossetti.

É a segunda vez que isto me acontece num curto espaço de tempo: a única coisa a salvar um filme é a beleza da Nicole Kidman. O outro exemplar é essa total e completa fraude artística chamada Dogville. Uch!



terça-feira, junho 21, 2005

 

Recomendações


As Leis de Lord Ass sobre Sexo e Promiscuidade de um dos meus blogs favoritos.



sábado, junho 18, 2005

 

Curtas II (Sobre pássaros)


Mechanical Birds

Wingless we crawl up
The skeleton tree of the night
To perch on the highest branches
Where our worn voices thin
In whispers of lament
For a dead moon rising


 

Para acabar de vez com os amigos IV


Isto é o Inferno. Mas vez por outra, ouve-se lá longe vindo dos confins das regiões geladas da morte, o minúsculo canto de um pássaro louco.



quinta-feira, junho 16, 2005

 

Para acabar de vez com os amigos III (Hoje)


Antes de teres sido eu fui. Antes de teres nascido eu cheguei a conhecer-te. Tenho estado à tua espera, meu irmão, meu assassino. Homens mais fracos que eu odiar-te-iam. Deixo-te aquilo que nunca foi meu. Agora que nada tenho, até esse nada te deixo. Cuida bem do meu nada. Adeus.

Banda sonora: Leonard Cohen &mdash The Famous Blue Raincoat.



 

Hoje


Hoje estou feliz. Hoje é o Bloomsday. O passado acumula-se nas dobras dos bolsos interiores.

Banda sonora: The Blue Nile &mdash Happiness.



quarta-feira, junho 15, 2005

 

Um aviso


São cinco da manhã. Ando a trabalhar em problemas de canalização. "Lectures on the h-cobordism theorem" de J. Milnor.

Era só para avisar. Talvez alguém gostasse de saber.



terça-feira, junho 14, 2005

 

Curtas I


Sound

Feet dragging
Through the floor
The sound
Of rustling feet
Rat-like feet
The feet of the dead
Approaching

Encroaching

The dead are coming
To exact their fee


quinta-feira, junho 09, 2005

 

Para acabar de vez com os amigos II


Depois dos vinte anos, quando, de repente, comecei a pensar pela minha própria cabeça, nunca mais quis ter amigos. Os únicos amigos que tenho são os mortos que me deixaram a sua literatura, não tenho outros amigos. Aliás, foi-me sempre difícil ter alguém, porque não imagino palavra mais conspurcada por todos e tão sem sabor como a palavra amizade. Desde muito jovem que, em determinadas alturas, não tenho absolutamente ninguém, todas as outras pessoas já alguma vez tiveram alguém, eu nunca tive ninguém, pelo menos sabia que não tinha ninguém quando os outros afirmavam constantemente o contrário, diziam, tens alguém, nessa altura eu tinha toda a certeza de não ter ninguém, talvez a ideia de não precisar de ninguém tivesse sido, para mim, a mais destruidora e a que mais decidiu o meu destino. Meteu-se-me na cabeça não precisar de ninguém e ainda hoje disso estou convencido. Não precisava de ninguém, portanto, não tinha ninguém. Mas é natural precisarmos de alguém, senão tornar-nos-emos, inelutavelmente, naquilo em que me tornei: difícil, insuportável, doente, no mais profundo sentido da palavra, impossível.
— Thomas Bernhard, Betão (trad. de Maria Olema Malheiro)


 

Para acabar de vez com os amigos


Having been I said. Unto Death my friend the hooded One. To you who walked beside me I leave the labours of my Love: my poverty my silence my oblivion. The Black so round and deep.



 

Casamentos


Odeio festas de casamento. A memória do passado junta-se à antecipação do futuro: odeio festas de casamento. A minha irmã casou-se, os meus amigos casaram-se; pior! As minhas amigas casaram-se sem sequer me pedirem autorização ou sequer se dignarem a uma explicação, e, pelo menos, um pedido de desculpas e a promessa de não repetirem a gracinha. Odeio festas de casamento. Cumpro a minha obrigação (porque raio é que os meus amigos me querem no casamento deles é coisa que eu não entendo!) e vou. Contrariado, tomo banho, faço a barba e corto-me em pelo menos três sítios diferentes na cara, visto o meu corpo aborrecido num fato à medida e estrangulo o meu pescoço numa gravata. E tudo para quê? Para passar um dia supremamente chato, distribuindo sorrisos à esquerda e à direita e entabular conversas faz-de-conta. A maior parte do tempo, a única coisa que arrancam de mim são monossílabos. Não quero falar; deixem-me em paz! Odeio festas de casamento. Usarei sempre óculos escuros – não quero que me vejam os olhos. Odeio festas de casamento. Odeio vestidos de noiva. Para além da minha irmã, só vi duas noivas bonitas (e estou a ser generoso). A única festa de casamento que eu ainda recordo com alguma saudade, foi a primeira a que assisti. Estava um dia de grande calor. Quando nos sentamos para comer, exceptuando diversos alcoóis coloridos para me entorpecer os sentidos – única maneira de conseguir sobreviver – estava com o estômago vazio. Emborquei duas cervejas e uns copitos de vinho com fúria e duas horas depois estava na casa de banho a vomitar o conteúdo do estômago, o próprio estômago, a vida e a morte. A dada altura perdi os sentidos. Passei uma das maiores vergonhas da minha vida. Foi divertido. Os dois estão hoje separados. Divertidíssimo. Odeio festas de casamento.



 

Junho


Parafraseando o meu poeta favorito: Junho, o mais triste de todos os meses...



terça-feira, junho 07, 2005

 

Aventuras na terra do meu corpo VI


Estou deitado nu no chão há vários dias com os braços dobrados sobre o peito. Estou à escuta; estou à espera. Olho para o tecto branco; olho para o chão. Um carreiro de formigas fez caminho através da floresta de cabelos na barriga até ao meu umbigo, esse confortável ninho forrado a cotão e destroços variados. Sinto que estão a escavá-lo, talvez à procura dos rubis a flutuarem no meu sangue ou das safiras incrustadas no meu coração. Alguma coisa elas levam de volta para o formigueiro, porque o carreiro é grande e parece estar a engrossar. Acho que vou fechar os olhos e em silêncio tentar ouvir as conversas que as formigas têm entre si, enquanto se ocupam a desmontar-me e a levar os fragmentos de mim de volta para o esconderijo delas.

Banda Sonora: DJ Shadow — Building Steam with a Grain of Salt.



segunda-feira, junho 06, 2005

 

O cadáver de um poema sobre cadáveres


Não sei o que fazer a este poema. Parece um daqueles cadáveres que vai parar à morgue sem braços e pernas e que fica fechado numa gaveta frigorífica, até alguém se decidir desfazer dele, embrulhado num saco preto, nas traseiras de um hospital no meio de garrafas partidas e ervas daninhas. Não há unguentos, nem maquilhagem, nem artes embalsamadoras que o tornem mais composto. Talvez em exposição ao sol público comece a criar vermes e desapareça.


I Went Out Looking for Death

I went out looking for death
in the crooks and the shallows
and the craters
of the deeps
but found it nowhere
Looked for death with my hands bare
my fingers broken
scraping under rocks
searching down
among naked roots
in the cracked soil
under the wings
of crows
perched on the branches
of dead trees
Looked for death
in the dry dust and the straw
blown by the dry wind
and it was nowhere
Plunged underground
through all of the mouths of the earth
and searched over
all of the throats filled
with stones
and white bones
and still it laid nowhere
Ascended to the stars
scuttled the dark empty spaces
where God dwells alone
and inquired of Him
oh where can I find death
but He answered none
and just stared back
in silence
perfected
so


sábado, junho 04, 2005

 

God is watching you



Imagem infra-vermelha de falsa cor da Nebulosa Anel (M57) a cerca de 2300 anos-luz.


Não há boa acção que faças que passe despercebida; não há pecado que cometas que fique escondido. Tudo o que fazes, tudo o que dizes, tudo o que pensas, está como que nu e abertamente exposto Áquele Que Tudo Vê.

Porra! Não se pode ter um bocadinho de privacidade?!

Não.



quarta-feira, junho 01, 2005

 

O método do gradiente


Desce-se pelo curva de maior declive até achar um mínimo (local) de sofrimento. A velocidade inicial pode ser estonteante mas a desaceleração é completa. O tempo requerido é minimizado. Recomendado apenas a quem não sofre de vertigens.



This page is powered by Blogger. Isn't yours?